sábado, 9 de março de 2019

Criança sabe ser amigo.

Dos pormenores da vida de adulto, lidar com a amizade é contínua aprendizagem. É que, quando criança, a força da cria[ção]tividade faz com que as amizades nasçam. O solo é fértil e imaculado. Na pureza da ausência de responsabilidades; na espontaneidade do aqui-agora; no prazer inenarrável do "quer brincar comigo?", nasce o amigo. 

Amigo-criança não se preocupa com o que o outro estará pensando dele. Tampouco se pergunta "com quem ele brincará amanhã, senão comigo?". Não há autojulgamento no universo amigável de uma criança. E aí, tudo flui. Até que a gente cresce.

Cresce, junto aos medos sutis que emaranham, dia após dia, a complexidade do que é ser adulto. Então, o amigo-criança dá lugar a um ser disforme, que nem rosto tem; que quer ser simpático, mas quer ser aceito também. Recua. Mais "pensa" a alegria do que, deveras, sente. O adulto, quando se deixa levar, inconsciente, cria um véu de insegurança que envolve suas relações. 

É preciso buscar fundo. É preciso ser vulnerável ao incerto do infantil. Porque o amigo-criança, creio eu, ainda estará lá, se procurar por ele. Sentadinho, quietinho, lá dentro de si. Esperando por alguém que pergunte, sem medo: "quer brincar comigo?". E, então, ele irá. Reflorescido.

quarta-feira, 6 de março de 2019

Numa sala alaranjada.

Acho difícil controlar a mente. Embora digam, com assustadora clareza, que essa é a melhor - senão a única - forma de ser feliz de verdade. Chegamos à conclusão (e quando digo “chegamos” é porque ela realmente partiu de alguém além de mim) de que penso em excesso.

Encaro a minha mente como um lugar. Um lugar para onde me teletransporto, sem controle. E, como ditam as leis da física, um mesmo corpo não pode ocupar dois lugares ao mesmo tempo. Se eu tiver presa “lá dentro”, como posso habitar aqui fora? Parece absurdo dizer que “pensar” pode ser ruim. Mas, é: quando racionalizar se torna um vício e o sentir definha. E é quando os sentidos estão murchos que se torna impossível estar presente. 

Lá dentro – da mente - nem sempre é convidativo. Me lembra uma sala de filmes antigos, cheia de bugigangas. Itens antigos se misturam aos recentemente adquiridos e, assim, fica difícil distinguir do que eu já poderia ter me desfeito. Há coisas que só ocupam espaço. Por vezes, parece ser fim de tarde, mas só imagino... Porque a luz que transpassa às cortinas leves – fechadas - é alaranjada como um pôr de sol. Não chega a ser feia, a sala. Mas, cheia como está, é inóspita, invisitável. E nenhuma sala foi feita para esse fim. Todas anseiam por serem transitáveis (nunca tão receptivas quanto os quartos). Caibo bem nela. Contudo, ainda que tenha uma nostalgia convidativa e uma áurea questionadora sobre os amanhãs, não posso me aconchegar. Preciso vir para o lado de fora.

Nem sempre é hora boa para me retirar no canto alaranjado. Aqui fora, a vida pulsa. Nem só de mente se faz um homem. Uma mulher. Essa sala precisa se acostumar com as minhas ausências. Porque ainda estou no controle de mim.