quarta-feira, 30 de setembro de 2020

Caldo de ervilha.

 

Há cerca de um ano, Rodolfo se mudou para um condomínio. Ele dizia não ser adepto a essas “coisas de rico”, mas seus nervos sensíveis não deram conta de ouvir os tiros no antigo bairro onde morava.

Desembolsou uma grana alta de suas economias para acertar os três meses de caução e seguiu rumo à "vida mesquinha", porém silenciosa, do condomínio. Já nos primeiros dias em que lá estava, fez questão de conversar com todos os funcionários. Falou sobre o clima, sobre futebol e sobre os problemas psicológicos que enfrentara no passado.

Seu Chico, um dos vigias que conheceu primeiro, sabia bem o que era a sensação de taquicardia, que chamou de “coração saindo pela boca e falta de ar doida que só”. Mas esclareceu a Rodolfo que não tinha tempo para pensar nessas coisas. Precisava ir trabalhar com o coração calmo, acelerado ou sem coração, até. Faltar ao trabalho é que não podia.

Numa noite fria de junho, Rodolfo preparou caldo de ervilha. Gentil que era – um bom homem que enxerga os demais – teve a ideia de oferecê-lo ao Seu Chico. Levou a tigela cheinha até o vigia e, com um sorriso contido no rosto, disse: “Trouxe caldo de ervilha para o senhor”. “Não gosto de caldo de ervilha, obrigado!” – disse Seu Chico, com a calma de quem fala a um amigo.

Rodolfo se esforçou bastante para não parecer contrariado; principalmente, para ele mesmo. Que boa vontade tivera, não? Ora, parece que Seu Chico é gente. E gente daquelas que não gostam de caldo de ervilha, afinal.


- Por Laysla Machado.

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